ARTIGO: AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS NOS MUNICÍPIOS PARA A EFETIVA GARANTIA DOS DIRIETOS SOCIAIS

Artigo

ARTIGO: AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS NOS MUNICÍPIOS PARA A EFETIVA GARANTIA DOS DIRIETOS SOCIAIS

AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS NOS MUNICÍPIOS PARA A

 EFETIVA GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS

 

BUDGETARY LAWS IN MUNICIPALITIES FOR

 EFFECTIVE GUARANTEE OF SOCIAL RIGHTS

 

 

 

Mario Galavoti

Palestrante, Professor, Assessor e Consultor Orçamentário, Especialista em Finanças Públicas, Especialista em Processo e Técnica Legislativa, Especialista em Administração Pública Municipal, Regimentalista. Autor dos Livros “Orçamento Público: Normas e Procedimentos. 1ª Ed. 2009” e “Orçamento Público Municipal: Conceito e uma Crítica as Falhas Legislativas. 1ª Ed. 2023. Servidor Aposentado da Câmara Municipal de Cascavel onde trabalhou por 30 anos, atuando mais da metade, na elaboração de pareceres e consultoria aos projetos de lei orçamentários.

ORCID 0009-0002-1079-3107

mariogalavoti@bol.com.br

 

 

 

RESUMO

 

O objetivo deste trabalho é analisar a importância das leis orçamentárias em nível municipal na efetivação de direitos sociais previstos na Constituição Federal. Não raras vezes, pela falta de uma compreensão mais profunda sobre o processo orçamentário, os responsáveis pela elaboração e discussão das leis cometem falhas que comprometem a boa execução do orçamento, pois acabam negligenciando políticas públicas àqueles que dependem totalmente do Poder Público. Assim, ganha destaque o planejamento do orçamento público, tornando-se necessário que os responsáveis pela sua elaboração adquiram o conhecimento adequado sobre sua formulação, a fim de capacitá-los a discutir os elementos principais dessas leis, as quais regem o dinheiro dos contribuintes e ditam os rumos da sociedade.

 

Palavras- Chaves: Leis; Orçamento; políticas sociais.

 

ABSTRACT

 

The objective of this work is to analyze the importance of budgetary laws at the municipal level in implementing social rights provided for in the Federal Constitution. Not infrequently, due to the lack of a deeper understanding of the budget process, those responsible for drafting and discussing laws commit mistakes that compromise the good execution of the budget, as they end up neglecting public policies for those who depend entirely on the Public Power. Thus, adequate planning of the public budget gains prominence, making it necessary for those responsible for its preparation to acquire knowledge about its formulation, in order to enable them to discuss the main elements of these laws, which govern public money. taxpayers and dictate the direction of society.

 

Keywords: Laws; Budget; social politics.

 

 

 


1.   INTRODUÇÃO

 

Muito se questiona sobre a implantação das políticas públicas que são apresentadas pelos administradores públicos quando estão no comando da gestão pública. Questionamentos esses que surgem após a constatação de políticas públicas mal planejadas e que, em muitos casos, são mal elaboradas e não atendem à demanda e aos anseios da população, em especial daqueles que mais necessitam de prestações do Estado à título de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, à infância e à assistência aos desamparados (art. 6º, CR/1988).

Algumas perguntas precisam ser feitas, como, por exemplo: por que houve aumento de pessoas em situação de rua nos perímetros urbanos das cidades e existem tantas outras vivendo na linha da pobreza? Por que famílias sofrem com a falta de saneamento ou de médicos em postos de saúde? Por que há falta de políticas efetivas de geração de empregos? Essas e tantas outras perguntas impactam negativamente na população local e deveriam ser respondidas pelos gestores públicos.

Nesse palco de problemas, constata-se a ausência de um ator importante: o planejamento.

Planejar as ações governamentais por meio das leis orçamentárias é obrigatório e necessário, em especial quando falamos do Plano Plurianual, que tem uma abrangência para quatro anos. Para Faria (2016), o planejamento tem se tornado muito mais que uma mera recomendação. Trata-se de uma exigência das normas constitucionais e legais, e que está levando os órgãos de fiscalização, como os Tribunais de Contas, a exigirem uma maior responsabilidade por parte dos gestores públicos.

Em nível municipal, muitos elaboram as leis orçamentárias como meras leis simbólicas, onde se preveem programas, ações e metas e estimam a receita e fixam despesas sem conhecimento técnico, sem participação popular e sem seguir os ritos de um planejamento público que possa trazer para a população serviços de qualidade e que atendam ao bem comum de todos, em especial os serviços sociais prioritários como saúde, educação, saneamento básico, transporte, proteção à maternidade e à infância, alimentação e, hoje em dia, as políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher, contra o idoso, contra o racismo, contra grupos minoritários, entre tantas outras.

Sem esse planejamento público orçamentário, o Poder Executivo se torna obrigado a elaborar e encaminhar a deliberação a um Legislativo que “fecha os olhos” a esse importante instrumento de gestão pública e garantia dos direitos sociais da população, deixando de cumprir sua missão de bem representar o povo, especialmente aquela parcela da população que mais necessidade do amparo estatal.

É nítido nos debates eleitorais, em período de campanha, o anúncio de diversos programas sociais para educação, inclusive com melhorias salariais à classe de professores, melhorias à saúde, transporte e até mesmo, em alguns casos, políticas de transferências de renda. Porém, sabemos que essas promessas não irão se concretizar e são apenas palavras vazias para conquistar o voto do eleitor, seja porque eles – os eleitores - em sua grande maioria, não possuem conhecimentos sobre finanças públicas ou políticas sociais, seja porque os próprios candidatos não conhecem a realidade orçamentária do seu município.

Para tanto, é preciso que o Princípio da Eficiência Constitucional seja cumprido à risca pelos nossos gestores quando da análise e elaboração das políticas públicas sociais, mediante a elaboração de leis orçamentárias eficientes, eficazes e que possam garantir que a população, em especial os “dependentes” do Poder Público, seja atendida em todos os serviços sociais atinentes ao município.

Nos dizeres de Bittencourt, “o Princípio da Eficiência exige que a atividade estatal seja exercida com presteza e rendimento funcional, não se atentando apenas à legalidade, mas também aos resultados positivos e satisfatórios para a população”[1].

Assim, o presente estudo busca, de modo singelo, apontar problemas de ordem prática e técnica que resultam da ausência de um planejamento orçamentário e que, consequentemente, frustram a efetivação de direitos sociais.

2.     O ORÇAMENTO PÚBLICO COMO GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS.

“Nas grandes cidades, o saneamento básico atinge apenas 30% da sociedade, a saúde é prestada de forma precária. Desnecessário lembrar da cidade do Rio de Janeiro ou de outras cidades do Nordeste e Norte. A educação atinge a quase todos formando um amontoado de analfabetos e analfabetos virtuais. O desemprego grassa por todos os lados. Indígenas estão afastados dos bens modernos da vida. A prostituição grassa. ... O transporte é mal prestado. O asfalto não chega a toda as residências enfim, o Brasil é uma país desequilibrado”[2].

O Governo tem como responsabilidade fundamental alcançar o melhor nível dinâmico de bem-estar à coletividade. Para tanto, utiliza-se de técnicas de planejamento e programação de ações que são condensadas no chamado sistema de planejamento integrado.

Esse planejamento, como se sabe, se dá por meio de uma tríade orçamentária prevista na Constituição Federal, que obriga a elaboração de três leis: Plano Plurianual – PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e Lei Orçamentária Anual – LOA, todas revestidas de compatibilidades entre elas.

Todas essas leis orçamentárias devem obrigatoriamente prever programas, ações, metas e recursos para atendimento das políticas sociais. Porém, será que realmente essas leis proporcionam condições para que essas políticas públicas sociais sejam concretizadas na prática em favor das pessoas nos municípios?

Na Constituição Federal de 1988, é o art. 6º o balizador dos direitos sociais. Porém, será que as leis orçamentárias realmente alocam e distribuem programas, ações e recursos financeiros necessários ao atendimento desses direitos? Em nível municipal, principalmente em cidades consideradas de pequeno porte, sequer o básico é planejado e programado ou apenas garantem os limites constitucionais mínimos para saúde e educação.

O abandono das leis orçamentárias nos municípios mostra que escolhas políticas não bastam para a solução dos problemas; é necessário que o eleitor saiba escolher seus representantes dentre os políticos que pensem a administração pública como um todo e não com base apenas em interesses partidários, ideológicos e pessoais. O eleitor precisa também rever conceitos na hora de depositar o seu voto, pois a escolha errada impacta negativamente nas políticas públicas sociais, gerando uma desordem social de grande proporção.

Percebe-se que, na maioria dos municípios, a péssima implantação de políticas públicas sociais não é por má fé do gestor, mas, sim, por falta de capacidade técnica e de pessoal qualificado, e isso deve gerar preocupação, pois a falta de pessoal qualificado e de gestores compromissados com essas políticas públicas estão levando a um aumento considerado de pessoas na chamada linha da pobreza, além de criar inúmeros problemas de saúde pública, de precárias políticas educacionais, da falta de saneamento, da falta de planejamento ao atendimento de tragédias climáticas (políticas habitacionais), entre tantas outras políticas públicas sem finalidade e necessidade.

Muito se questiona nos últimos anos acerca da implantação das políticas públicas sociais e se elas são realmente prioritárias ou ao menos necessárias ao atendimento das demandas sociais da população dos municípios. São políticas feitas e lançadas sem um norte, sem objetivos concretos, com metas insuficientes e em alguns casos impossíveis de serem realizadas, fugindo o orçamento público da receita municipal. Ora, quantos gestores municipais estão neste exercício de 2023 baixando decretos de contingenciamento de despesas por não possuir receitas suficientes ao atendimento das ações? Por que será? A falta de planejamento das leis orçamentárias pode ser uma das respostas a essas indagações.

Não basta que os gestores continuem a depender de recursos financeiros das transferências governamentais. Há, sim, necessidade de rever conceitos orçamentários municipais, como revisão da planta genérica do IPTU, revisão das alíquotas do ISS, programas de incentivo ao emplacamento de veículos para aumento da arrecadação do IPVA, entre outras medidas que podem colaborar no aumento da arrecadação própria dos municípios.

Infelizmente, porém, vivemos momentos individualistas dessas políticas, em alguns casos até ideológicas, sem atentar-se para os reais problemas sociais sérios que assolam muitas pessoas em seus municípios e, principalmente, as minorias sociais que se aglomeram nos perímetros urbanos das cidades, gerando problemas sociais de toda ordem.

O Estado falha absurdamente e não consegue controlar essa grave situação. Afinal, não basta somente dar “banho e sopão” ou apenas prever os programas mínimos que a Constituição Federal ou as leis ordinárias exigem, pois essas atitudes são paliativas e livram o gestor de planejar, de inovar, de buscar novos programas, de sair às ruas e conversar com a população e segmentos organizados da sociedade para saber quais são as políticas públicas sociais que realmente são necessárias, e acima de tudo que se torne eficientes.

São nos municípios que essas inovações deveriam nascer e a União e os Estados apenas deveriam completar as políticas locais dos municípios ou apenas garantir os recursos orçamentários e financeiros necessários ao atendimento dessas políticas sociais. Faltam aos municípios um grupo de projetos e gestores mais compromissados para garantir uma eficiência no atendimento das políticas públicas sociais da população municipal.

É fato que a maioria dos municípios brasileiros, para manter ou implantar suas políticas sociais, dependem dos Governos Federal e Estadual por meio das transferências de recursos financeiros, e hoje podemos citar, ainda, as emendas impositivas orçamentárias, que servirão para subsidiar e garantir, ainda que precariamente, os serviços públicos básicos. E por que precariamente? Porque não se tem o planejamento dessas políticas, são alocadas de maneira errônea e imediatistas, sem saber ao certo se os programas e ações serão, de fato, concretizados.

 Ora, quantos programas foram implementados em Planos Plurianuais que não tinham a mínima condição de ser cumpridos pelos municípios? Muitos e isso mostra uma preocupação geral aos orçamentaristas que enxergam um vasto problema municipal, principalmente para aqueles pequenos municípios com escasso quadro de servidores técnicos na área de planejamento orçamentário, que é o do “copia e cola” das peças plurianuais de outros municípios.  

Existe até hoje uma dificuldade por parte dos agentes públicos municipais em adquirir esse conceito de planejamento para com as ações públicas. As políticas imediatistas e, infelizmente, nos dias atuais, as ideológicas, sobrepõem ao planejamento, pois é visível que “politicamente” é melhor para o gestor, pois, irá agradar grupos específicos em detrimento do planejamento orçamentário de médio e longo prazo.

Quando se fala em orçamento público, é fato que essas importantes leis municipais são elaboradas apenas para cumprir os mandamentos constitucionais e legais mínimos, deixando de fora o seu real conceito que é o de garantir a efetiva alocação e distribuição de recursos públicos ao atendimento das políticas públicas ao bem comum da população.

Em muitos municípios brasileiros, em especial nos considerados de pequeno porte, se implantam programas, ações, metas, estimam receitas e fixam despesas, sem conhecimento técnico, sem a participação popular e sem seguir os ritos de um planejamento público que possa trazer para a população, serviços necessários e, principalmente, de qualidade.

O transporte público, a educação e a saúde são exemplos da péssima qualidade dos serviços sociais oferecidos pelo poder público municipal, pois, infelizmente, na maioria dos municípios há falta de médicos, de materiais básicos como: seringas, luvas para os enfermeiros, sem falar na falta de medicamentos essenciais ao atendimento ao tratamento de doenças consideradas crônicas, como diabetes, pressão arterial, etc. Professores ainda lecionam com giz e quadros negros depreciados e antiquados; alunos não possuem materiais básicos para o aprendizado e não há água tratada para muitos moradores.

Com efeito, o cenário é preocupante, pois ainda temos gestores apadrinhados, corruptos e acima de tudo, despreparados para lidar com as políticas públicas, onde as leis orçamentárias são usadas para agradar e alocar “benefícios” aos grupos apoiadores de sua campanha.

Como exemplo desse cenário, pode-se citar as renúncias tributárias à iniciativa privada que impactam negativamente na implantação das políticas púbicas sociais e refletem no aumento considerável da dívida pública, pois, na maioria dos municípios, as operações de créditos são o instrumento usado para que os prefeitos possam realizar novos investimentos, comprometendo porcentual significado dos recursos livres municipais, sem falar de municípios que possuem alta dívida de precatórios e de parcelamentos previdenciários que sugam anualmente milhões de reais dos cofres públicos municipais.    

Pode-se entender que sem um planejamento público e sem uma responsabilidade na elaboração das peças orçamentárias, há um risco de manter e continuar com um amontoado de papel, onde o executivo se torna obrigado a elaborar e encaminhar a deliberação de um legislativo que “fecha os olhos” a esse importante instrumento de gestão pública e garantidor das políticas sociais.  

Nesta conjuntura de desigualdades sociais, cada vez mais a Administração Pública depara-se com desafios que só poderão ser transpostos por mecanismos que atentem para a necessidade de administrar eficazmente os recursos públicos arrecadados, transformando-os em verdadeiros benefícios à sociedade. Noutras palavras, não planejar adequadamente, resulta em mal gosto do dinheiro público, em prioridades imediatistas e muitas vezes subjetivas ou de conveniência circunstancial (eleitoreira ou em troca de apoio político) e, também, em projetos que sequer serão concluídos, o que irá comprometer a administração pública na entrega de bens e serviços a toda população.

É fato que, muitos gestores públicos não alocam de forma correta os recursos públicos nas leis orçamentárias, seja por não possuírem conhecimento ou por não possuírem um aparelhamento técnico para assessorá-los. Porém, o que gera preocupação, são aqueles gestores que apenas para agradar determinado grupo político ou determinada classe da sociedade que o apoiou, não preveem em suas leis orçamentárias qualquer tipo de programa e alocação de recursos para enfrentamento às políticas ideológicas que vem assolando e acabando com programas sociais de enfrentamento ao preconceito de raça, de credo, de gênero, entre tantos outros.

É preciso que os chefes do Executivo e do Legislativo Municipal saiam de dentro de suas salas e se apresentem aos moradores dos bairros, dos distritos, das associações de moradores, das organizações não governamentais, dos grupos das minorias, entre vários outros locais para ouvir as necessidades e as prioridades da população a serem inseridas nas Leis Orçamentárias, evitando o uso das leis orçamentárias para inflamar a politização ideológica das políticas públicas e a “guerra” de classes.

Para Souza (2022), as posições sociais dentro de uma sociedade são relativas e conjunturais. A mera volta de pobres e negros à miséria e à marginalidade passa a ser vivida, pela classe média, como uma conquista de seus velhos privilégios escravocratas, assegurada, precisamente, pela distância social em relação aos mais frágeis.

Não há mais espaço para leis orçamentárias copiadas e defasadas, muitas delas sem condizer com a realidade do município, em especial quanto à sua arrecadação e despesa. A elaboração e a aprovação de leis orçamentárias sem o mínimo de planejamento, conhecimento, estudos, transparência e participação popular, configura verdadeiro desrespeito e falta de comprometimento com a população que elege gestores públicos e legisladores para os representarem nas mais diversas decisões, sendo o orçamento a mais importante delas.

Quanto dinheiro em políticas públicas desnecessárias foi desperdiçado? Quantas renúncias fiscais tributárias foram concedidas sem haver uma contrapartida do beneficiado? Por que grandes empresários, alguns educacionais particulares, grandes cooperativas agrícolas e pecuárias, entre tantos outros, ainda continuam sendo beneficiados com renúncias tributárias sem conceder uma contrapartida em políticas sociais à população? Isso não está sendo revisto nas leis orçamentárias pelos gestores públicos, causando ainda mais impactos negativos às finanças públicas em detrimento de ações necessárias a população, em especial, as mais carentes e que necessitam do poder público municipal.

Planejar a alocação dos recursos públicos em garantias sociais como educação, saúde, segurança, transporte, e, principalmente, em programas de enfrentamento e combate à violência contra a mulher e o idoso, contra pessoas trans, contra a intolerância religiosa, contra o racismo, entre várias outras, também é política pública a ser pensada em nível municipal.

Não é aceitável que a orçamentação pública nos municípios se paute apenas em garantir os percentuais mínimos a serem alocados para educação, saúde e assistência social. É preciso mais; é preciso planejar os direitos sociais na alocação dos recursos orçamentários e garantir que programas sociais sejam revistos e criados com um simples propósito: garantir que todos, sem exceção, sejam beneficiários dos serviços públicos.

Não é mais plausível apenas dizer que os direitos sociais são os que a Constituição Federal de 1988 definiu no art. 6º; é preciso que os gestores públicos, eleitos para isso, apresentem por meio das leis orçamentárias esses programas que aqui já foram expostos, condicionando também aos programas de grupos considerados minoritários, uma vez que não há previsão expressa no referido artigo constitucional para excluir este grupo social, apesar de o contido no art. 5º, caput, da Constituição Federal já garante essa prioridade ao dizer que “todos são iguais perante a lei”[3], sendo uma dessas leis, as orçamentárias, como normas garantidoras dessa igualdade na alocação e distribuição dos recursos públicos municipais.

A proposta apresentada por muitos gestores ao elaborar as leis orçamentárias parte apenas do pressuposto de garantir que a população acredite que os programas sociais serão implantados em determinado período. Com isso, não se planeja corretamente, apenas insere programas sociais para fins de ainda estarem acomodados com o famoso orçamento autorizativo, ou seja, executa-se tais programas se houver disponibilidade financeira.

Ora, ao manter esse conceito do orçamento autorizativo, em especial para os programas sociais, mostra-se mais uma vez o descaso da classe política acerca de um assunto de grande importância que é o orçamento público, pois em nenhum país do mundo se tem o orçamento autorizativo, somente no Brasil, para desviar a incompetência administrativa de nossos gestores públicos, se criou esse conceito de que a maioria dos programas e ações constantes na lei orçamentária não é de execução obrigatória pelos gestores públicos.

A verdade é que o orçamento público é obrigatório. Primeiro, por ser uma lei aprovada pelas Casas Legislativas, e, depois, com o advento fortalecido da Emenda Constitucional nº 100, de 2019, que previu a execução obrigatória das programações orçamentárias como garantia à efetiva entrega de bens e serviços à sociedade[4].

Porém, há perguntas que devem ser feitas em nível municipal: por que as leis orçamentárias a cada ano preveem aumento de dotações orçamentárias em programas sociais como educação e saúde, por exemplo, e ainda continuamos a ter precariedade na execução desses programas? Afinal, não basta dizer que houve aumento de recursos para que esses recursos estejam, de fato, autorizados à execução orçamentária. Quantas leis orçamentárias estão com suas estimativas de receitas superestimadas simplesmente para agradar o ego político do gestor?

Para responder essas perguntas e talvez muitas outras, é preciso dizer que o desrespeito aos direitos sociais faz do art. 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil[5], mero material acadêmico, estando na prática muito longe da realidade do cidadão comum, que não recebe do Estado a garantia de seus direitos fundamentais, como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, proteção à maternidade e à infância, bem como assistência aos desamparados.

Não cabe mais nos dias atuais apenas garantir as previsões orçamentárias mínimas constitucionais nas políticas públicas sociais, é preciso um orçamento planejado e eficiente, que traga para uma realidade as reais necessidades que a maioria da população precisa.

O pobre, o preto, o mendigo, a educação pública, a saúde pública, a segurança pública, ou seja, as políticas sociais esculpidas no art. 6º da Constituição Federal precisam ser revistas e alocadas de maneira eficaz pelos nossos gestores, garantindo uma dos pilares da nossa Constituição Federal que é o da dignidade da pessoa humana em todos os seus conceitos, evitando que as leis orçamentárias sejam apenas fictícias ou em muitas das vezes garantidoras de favores para grandes grupos sociais elitizados.

Para isso, é preciso vontade política, servidores preparados e capacitados e gestores públicos e legislativos fortes e fiscalizadores, que pensem o planejamento orçamentário como meio de resolução dos problemas sociais existente nos municípios.

Não cabe mais as políticas públicas politiqueiras em detrimento das políticas sociais que atendam mais que o básico das pessoas menos favorecidas pela sorte, seja essa qual for. As leis orçamentárias em nível municipal precisam e devem ser elaboradas e discutidas com mais seriedade, sem levar ao agrado desse ou daquele grupo político.  

Quem tem fome, quem tem necessidade de água tratada, de saneamento urbano, de educação pública de qualidade, de saúde pública, não pode mais ficar sendo “traído” nas campanhas eleitorais com grandes projetos políticos para as áreas sociais e, quando esses políticos assumem a gestão municipal, não implantam na prática essas políticas ofertadas na campanha eleitoral.

Em estudo sobre o mapa da pobreza realizado pela Fundação Getúlio Vargas no ano de 2021[6], a pobreza aumentou durante a pandemia no Brasil. De acordo com o estudo, o contingente de pessoas com renda domiciliar per capita de até R$ 497 mensais atingiu 62,9 milhões de brasileiros em 2021, o que representa 29,6% da população total do país.

Já uma pesquisa feita pela Organização Ponte Social “Um quarto da população brasileira, 52,7 milhões de pessoas, vive em situação de pobreza ou extrema pobreza[7]”.

Não se pode deixar de notar que essa pobreza está implantada nos perímetros urbanos das cidades, o que mostra, mais uma vez, que cabe aos gestores municipais, garantir por meio das leis orçamentárias, programas e alocação de recursos para atender e diminuir esses dados alarmantes. Os problemas existem e os gestores precisam solucionar.

Aquele que busca no pleito eleitoral municipal ocupar um cargo público no Executivo ou no Legislativo tem a obrigação de garantir, mesmo que as dificuldades orçamentárias e financeiras existam, políticas públicas sociais de qualidade, com eficiência e acima de tudo, que possam ser cumpridas.

É preciso que esses políticos deixem de lado as campanhas politiqueiras, e ainda, e talvez o mais lamentável nos dias atuais, a mania de culpar terceiros pelos seus equívocos e incompetência administrativa pública e busquem sanar e resolver esses problemas sociais que a cada ano parece aumentar ainda mais.

3. AS FALHAS LEGISLATIVAS NA APROVAÇÃO DAS LEIS ORÇAMENTÁRIAS E QUE IMPEDEM A GARANTIA AS POLÍTICAS SOCIAIS.

Quando se fala em planejamento orçamentário, não se pode deixar de fora o Poder Legislativo Municipal que, tendo como pilar constitucional a representação popular, deve ser o responsável em discutir junto à população o planejamento público ora exposto pelo Executivo Municipal.

Porém, existe uma preocupação que é a falta de comprometimento daqueles que deveriam legislar e fiscalizar os programas e ações que possam garantir os direitos sociais: os legisladores municipais.

Lamentavelmente, não é incomum escutar Vereadores dizendo que as leis orçamentárias não são de sua responsabilidade, e sim, do Prefeito. Triste realidade a de um legislativo submisso e compromissado em defender os anseios de um Executivo que o domina.

Muitos legisladores continuam omissos e descompromissados com essas peças orçamentárias quando da sua deliberação, dando somente importância às famigeradas emendas parlamentares, sem fundamento e sem conexão técnica e legal, apenas para garantirem apoio político daqueles que não tem o conhecimento orçamentário necessário. Isso sem falar naqueles que aprovaram as emendas impositivas orçamentárias, que em nível municipal, sem a correta legalidade e planejamento, estão comprometendo em muito as finanças municipais.

É estarrecedor o número de emendas impositivas orçamentárias aprovadas por Câmaras Municipais destinando recursos orçamentários para atender – mesmo que de maneira apenas política - a programas assistenciais sem nenhum tipo de projeto básico, ou mesmo de garantia a execução do referido projeto, comprometendo em muito as já escassas políticas sociais daquele município.  

Nos dizeres de Conti (2022), nosso sistema de fiscalização financeira e orçamentária tem no Poder Legislativo seu principal responsável, dando legitimidade democrática ao controle dos gastos, e se sustenta na atuação independente e autônoma dos tribunais de contas, fazendo deles um dos pilares do Estado Democrático de Direito brasileiro.

Mas será que tais responsabilidades vêm sendo realmente cumpridas pelos nossos legisladores municipais? As Câmaras Municipais se tornaram no linguajar popular “meros aprovadores de projetos do executivo”. Lamentável. Pois, são essas Câmaras Municipais, por meio dos vereadores e vereadoras os verdadeiros representantes da população, tendo como uma das suas principais atribuições garantir, por meio das leis orçamentárias, os direitos sociais da população que os elegeu.

Triste realidade de uma Câmara Municipal cujos Vereadores não sabem o que estão discutindo e votando nas leis orçamentárias, se protegendo no manto constitucional da imunidade do voto. Será que não está na hora de revermos essa imunidade? Afinal, não há mais espaço para Parlamentares que aprovam as leis orçamentárias apenas para agradar o Prefeito, ou, no mais das vezes, a troco de um “parquinho infantil em sua comunidade.”  

Dentre os instrumentos disponíveis, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 48, definiu o incentivo à participação popular e realização de audiências públicas durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos. Assim, não é mais aceito que os legisladores municipais embaracem ou simplesmente não cumpram esses mandamentos legais e não discutam com a população as leis orçamentárias.

A maioria das Câmaras Municipais realizam audiências públicas apenas para atender a esse dispositivo da lei de responsabilidade fiscal, sem se preocuparem em organizar uma audiência pública que tragam soluções e que garantam que os direitos sociais serão implantados nas leis orçamentárias ao atendimento da população local.

Essa falha legislativa é absurda, por não dizer possível causadora de políticas públicas desnecessárias e que não atenda ao bem comum da população. Não discutir com a população local as políticas públicas que são inseridas pelo Executivo é mostrar um desrespeito enorme por parte dos legisladores para com os cidadãos que os elegeram. Isso sem falar em possível ato de infração política administrativa, uma vez que o descumprimento de mandamentos legais por parte de quem legisla pode ocasionar punições, inclusive por falta de ética e decoro parlamentar. Além do que, caso aprovada as leis orçamentárias sem as devidas audiências públicas, estará o Prefeito executando um orçamento viciado em seu processo legislativo, o que poderá ocasionar ações direitas de inconstitucionalidades.  

4.     CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao tratar sobre o planejamento na elaboração do orçamento público, e após pesquisa em diversos sites oficiais, mediante análise de várias leis orçamentárias em vigor de diversos municípios, ficou visível que a maioria dos municípios não possui um sistema de planejamento orçamentário adequado e que atendam aos interesses públicos.

A falta de um planejamento mais adequado e dentro dos parâmetros de realidade e prioridades, em especial as que tratam acerca de garantir os direitos sociais da população, está levando a administração pública a cometer erros e efetuar dispêndios financeiros exagerados e ineficientes em ações que na maioria das vezes não atendem aos interesses públicos da sociedade.

É preciso que os gestores públicos tenham mais cautela e responsabilidade quando da elaboração do orçamento público. Noutras palavras, não planejar adequadamente, enseja gastar mal o dinheiro público, em prioridades imediatistas e muitas vezes subjetivas ou de conveniência circunstancial (eleitoreira ou em troca de apoio político) e, também, com projetos que sequer serão concluídos. O que de fato, irá comprometer a administração pública na entrega de bens e serviços a toda população.

O Orçamento Público de maneira geral, precisa e deve ser colocado por quem o elabora e aprova, como mecanismo prioritário, como peças essenciais e de valores morais, para que se possa obter resultados positivos a toda população. Sem isso, continuar-se-á com o escárnio orçamentário e com a falta de respeito dos gestores ao dinheiro “suado” do contribuinte.

Conhecer as leis orçamentárias, por meio do arcabouço das normas constitucionais, legais e infralegais que as regem, é fundamental para que o Executivo e o Legislativo, em nível municipal, possam conduzir as políticas públicas dentro da mais apurada organização e do planejamento público. Pois, somente assim, teremos alocações de recursos necessários e prioritários nas leis orçamentárias e que poderão atender a população em educação, saúde, segurança, esporte e lazer, meio ambiente, entre tantas outras políticas públicas, e, principalmente, as que tratam acerca da proteção e garantias sociais dos grupos considerados minoritários.

Implantar a cultura do planejamento é uma atitude assaz ousada, mais ainda, se o quadro político e técnico considerar o planejamento como uma exigência formal.

Planejar é preciso, é necessário e é obrigatório quando falamos em administração pública e garantia dos direitos sociais a toda nossa população, sem nenhuma distinção, pois, como regra da nossa Carta Magna, “todos são iguais perante a lei”.

É fundamental que os gestores públicos comecem a rever os seus conceitos e tratamentos com as leis orçamentárias para que possam enfrentar esses problemas sociais com mais eficiência, eficácia e efetividade. Saindo essas políticas públicas do papel da lei, para a prática executória.

Para Cavalcante e Cabral (2014) cumpre ressaltar, porém, que nessa missão de estudar o gasto público, é preciso não só entender o orçamento, como também ir além e enfrentar o problema da má gestão pública e da corrupção que desvia as verbas orçamentárias para fins não sociais.

Apenas para colaborar nessa falha de planejamento das políticas públicas, o Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, em entrevista à CNN Brasil, em setembro de 2022, disse: “A educação básica no Brasil é uma falsa prioridade...”. E concluo a sua fala dizendo que a educação no Brasil como a saúde, a segurança, a assistência social, entre outras políticas públicas são meros “motes eleitorais”, sendo usados como conquistas de votos junto à população, pois, sabemos que na prática a realidade é outra.

 

REFERÊNCIAS

 

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CAVALCANTE, Denise Lucena e CABRAL, Denise Maciel de Albuquerque. OS CUSTOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UM OLHAR PARA O ORÇAMENTO COM FOCO NO GASTO. Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário – RDIET. 2014.

 

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CONTI, José Mauricio. A luta pelo Direito Financeiro. Ed. Blucher. São Paulo. 2022.

 

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FARIA, Karolyni. O Planejamento Orçamentário na Administração Pública. 2016. www.jusbrasil.com.br

 

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https://portal.fgv.br/noticias. Mapa da Nova Pobreza. 2022.

 

OLIVEIRA, Weder. Curso de Responsabilidade Fiscal. 1ª Edição Fórum. 2013.

 

OLIVEIRA, Regis Fernandes. “Processo Legislativo: Teoria e Prática, Capítulo 16. pag. 341. Editora JusPodivm. 1ª Edição.

 

SOUZA, Jessé. A Herança do Golpe. 2. Ed. Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira. 2022.



[1] BITTENCOURT, Marcus. (s.d).Programa em Governança Municipal. Livro I.

 

[2] OLIVEIRA, Regis Fernandes de “Processo Legislativo: teoria e prática, Capítulo 16. pag. 341. Ed. Juspodivm. 1ª edição.

[3] CF. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)

[4] EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 100, DE 26 DE JUNHO DE 2019. Altera os arts. 165 e 166 da Constituição Federal para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária proveniente de emendas de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal;

[5] CAVALCANTE, Denise Lucena e CABRAL, Denise Maciel de Albuquerque. Os custos das políticas públicas: um olhar para o orçamento com Foco no gasto. Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário. Brasília, 2014.

[6] FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Mapa da nova pobreza:  2022. www.portal.fgv.br

[7] EQUIPE PONTE SOCIAL. Como superar a extrema pobreza no Brasil. 2021. www.pontessocial.org.br